domingo, 23 de setembro de 2012

Uma questão de centímetros

O cão da minha vida foi um S.Bernardo de nome Figueiredo. Viveu comigo desde quando era uma bola de pêlo que se borrava todo depois da ração, até a displasia o incapacitar. Durante semanas deitava-se aos meus pés enquanto eu devorava as sebentas de Resistência dos Materiais e de Mecânica dos Fluídos, partilhávamos os almoços de fim de semana, participava nas festas de casa, disputava o sofá com os convidados, adorava empinar-se e abraçar as visitas, largava pêlos por todo lado, era chato, deliciosamente chato, e grande, muito grande.
Quando vejo alguém demasiado consciente da sua estatura, sentindo-se desajeitado, a pontapear as pernas das cadeiras no corredor estreito entre mesas do restaurante da moda, a deixar uma clareira atrás de si num concerto de pé, a dobrar as pernas para se encaixar na classe turística, a perder o sentido das conversas que correm 20 cm abaixo num bar barulhento, a cutucar desconfortavelmente o forro do tejadilho do desportivo novo do amigo, a obrigar o empregado a procurar nos três armazéns da sapataria o modelo que terá aquele número, circular em casa alheia con um olho no chão e outro nos candeeiros perigosamente baixos, lembro-me do meu cachorro que nunca soube que era grande.

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