quarta-feira, 25 de julho de 2012

Preconceitos

Há 56 anos atrás aconteceu um dos mais espectaculares naufrágios dos tempos modernos, o afundamento do Andrea Doria.
Dois navios a cruzarem-se na noite do atlântico norte, um cargueiro sueco e um transatlântico moderno e símbolo da orgulhosa e histórica marinha italiana, entram em rota de colisão numa  noite de nevoeiro cerrado. Comunicação rádio, radares, manobras de evasão treinadas numa época ainda ingénua, não evitaram o pior, entrando a proa do Stockholm pelo casco lateral do A. Doria.
A relativa proximidade do continente americano, o facto do cargueiro ter ficado a flutuar e operacional, o trânsito intenso de navios naquela zona, permitiram que nas poucas horas que o A. Doria aguentou adornado, quase todos os passageiros tenham sido resgatados, realizando a tripulação italiana uma dos maiores operações de salvamento da história marítima. Os 51 mortos foram quase todos vítimas da violenta colisão e não de afogamento.
Após pôr todos os passageiros a salvo, o Comandante Piero Calamai, veterano condecorado de duas guerras mundiais, recusou-se a abandonar o navio. Só o fez quando três dos seus oficiais disseram que se ele ficasse, ficavam com ele.
Com o navio afundado, com os sobreviventes recuperados, iniciou-se um longo e confuso processo de inquérito e julgamento. Relatos da época referem que a nacionalidade dos navios foi fundamental para atribuir a culpa ao comandante italiano. O cargueiro era sueco e o paquete vinha de Itália, potência do eixo derrotada apenas 11 anos antes. A opinião pública e os jornais americanos, onde decorreu o julgamento, levantaram as memórias recentes da guerra e foram de uma crueldade xenófoba. A Suécia desenvolveu um lóbi eficaz e a sua companhia de navegação foi ilibada das pesadas indemnizações em causa.
Recentemente todo o processo foi reanalisado. Visto com a imparcialidade da distância, percebe-se a culpa e imprudência da tripulação sueca.
Piero Calamai, genovês como Colombo, assumiu a responsabilidade e aceitou o veredicto sem polémica nem escândalo. Injustiçado, despedido e reformado compulsivamente, morreu esquecido na sua terra natal. Hoje não há um único dos seu pares que não o recorde e dê como exemplo de coragem e profissionalismo.

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