quinta-feira, 17 de novembro de 2011

A sucessão de equívocos

A crise da zona euro não é nenhum mistério, fatalidade, maldição ou vigarice.
Muitos dos membros têm défices demasiados altos. Produzem menos do que o que gastam no estado social, nos transportes, na educação ou na saúde. Vivem acima das suas possibilidades. Este foi o primeiro grande erro.
Antes da crise de 2008 todos os estados da zona euro podiam endividar-se nos mercados com taxas de juro consentâneas com a crença de a zona ser um todo unido. Quem emprestava, acreditava que a solidez da zona euro era inatacável e que a Alemanha, em último caso, avalizaria qualquer operação de resgate. Com tanta facilidade, alguns governos exageraram na dívida. Mas depois veio a crise, os recursos a nível mundial tornaram-se escassos, os mercados ficaram mais atentos e desconfiaram destas grandes dívidas. Começaram por pedir taxas mais altas para os que apresentavam piores déficites. Quando se percebeu que havia uma grande probabilidade de incumprimento, os países das contas equilibradas logo vieram dizer que isso era um problema dos países do sul.  Este foi o segundo grande erro.
A primeira medida para suster a subida dos juros foi mostrar serviço e implementar os chamados PEC's: austeridade e contenção no investimento para equilibrar custos e proveitos. Mas a austeridade provocou a quebra da procura interna e logo caiu a receita dos impostos. Cortando nos custos, reduz-se a actividade económica, cai a cobrança de impostos directos e indirectos, diminui a receita, são precisos mais cortes e entra-se na chamada espiral recessiva.
Como alternativa para desapertar este nó, quer-se dinamizar as exportações mas esbarra-se no problema de base: a moeda única, comum a países equilibrados e ricos e a outros desiquilibrados e pobres, é demasiado forte para permitir competitividade no mercado mundial de produtos correntes e transacionáveis.
Assim, a solução mais simples para Portugal parece ser abandonar o euro. Esta proposta é ridícula, para não dizer trágica. Seria a solução final que condenar-nos-ia a décadas de atraso e pobreza. Voltaríamos ao príncipio do século XX, sem crédito, irrelevantes, com moeda sem cotação, pobres. No imediato, os nossos produtos seriam competitivos mas teríamos de comprar matérias primas, maquinaria e energia em divisas fortes, e pagá-las sabe-se lá como. Com as facilidades de comunicação e transporte actuais, ficaríamos sem quadros e jovens qualificados em três tempos.
Há outras possíveis soluções.
O Banco Central Europeu comportar-se como um verdadeiro banco central nacional, comprando livremente dívida pública dos estados membros, tornando-as europeias, de risco repartido por todos. Mas para isso é necessário alterar os seus estatutos, libertando-o da sua função primordial de controlar a inflação.
Haver uma verdadeira união fiscal europeia, uniformizando-se procedimentos e taxas, centralizando a cobrança de impostos e a gerindo as finanças com um verdadeiro orçamento europeu. Mas para isso os estados têm de perder soberania e sujeitarem-se a um orçamento europeu de aprovação problemática.
Entrada maciça de fundos externos da China, da Índia ou do Brasil, para investimento em dívida, instalação de novas empresas ou compra de já existentes. Mas esta solução depende da vontade e bondade de outros, e a médio prazo traria outros problemas de cariz diferente.
Qualquer uma destas hipóteses anteriores tem mais fraquezas que forças. Então só resta a solução mais simples e barata: mostrar aos credores que há dinheiro para pagar os seus créditos, dar confiança e tranquilizá-los. Como? A solução está na Alemanha. Pela sua dimensão e preponderância dentro da união, pela sua influência no BCE, se quiser pode afirmar que há dinheiro para pagar as dívidas soberanas do euro e que está disposta a dispor do dinheiro para resolver a crise de forma credível. Tem de afirmá-lo inequívocamente. Mais nenhuma economia europeia tem esse poder e prestígio. A partir daí poderá exigir as reformas sociais, laborais, económicas e fiscais aos países que pretenderem permanecer no euro.
Mas por enquanto vai-se fazendo tudo ao contrário. Trata-se o problema casuísticamente, injecta-se dinheiro a troco de reformas, adia-se o problema, passam-se meses e anos, entretanto novos países ficam sob suspeita, o problema agudiza-se de cimeira em cimeira, a França treme e os mercados, ó heresia, até já olham com desconfiança para a dimensão da dívida alemã. Até à explosão final.
Esta inércia resulta de uma incapacidade psicológica da Alemanha como nação e dos alemães como povo.
A Alemanha cresceu, divertiu-se, teve real prazer na sua força dentro do euro quando os tempos corriam de feição, os superávites eram enormes e podia espalhar liquidez pela periferia. Investindo, promovendo desenvolvimento e orientando as directivas europeias de forma a criar mercado para os seus produtos e tecnologias.
Oa alemães agora assobiam para o lado, fingem que nunca tiveram nem pretenderam ter qualquer posição dominante na Europa. Exigem aos outros reformas violentas, em tempo recorde, sob pressão, em condições quase desumanas para os padrões europeus ocidentais e, principalmente, demasiado perigosas para o equilíbrio social e financeiro global.
A crise europeia não é culpa alemã mas a Alemanha tem a sua quota parte de culpa pela não resolução. Está a ficar tarde demais, está a passar o ponto de não retorno e não percebe a responsabilidade que tem na Europa devido ao seu peso político e económico.

2 comentários:

  1. Ninguém dá a este rapaz, sei lá, um lugar de acessor do Barroso, ou da própria Merkl? E sabia-me tão bem ir viver para um sítio civilizado, sem sol, é certo, mas com dinheiro suficiente para o vir gozar de vez em quando??!!

    ResponderEliminar
  2. Conciso e certeiro e ainda por cima pedagógico.O problema é que o tempo tem provado que tem poderes de antecipação. E eu que lhe chamei "velho do Restelo"!Mea culpa.

    ResponderEliminar