terça-feira, 28 de dezembro de 2010

As elites

Helena Matos, no "Público"
"Hoje como ontem a nossa crise e os nossos bloqueios não resultam da orgânica dos poderes mas sim da incapacidade das nossas elites para deixarem de esperar que o tempo ou factores externos façam o que elas sabem que devem fazer mas não fazem para não ficarem mal na fotografia. Para não passarem por loucos como aconteceu a Medina Carreira. Para não perderem aquilo que em Portugal se entende por compostura e que na prática é apenas o estar com os enganos da situação. O mais que se espera é que outra situação se substitua à que existe. Enquanto tal não acontece sobrevive-se.
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Por exemplo, há quantos anos se sabe que a lei das rendas não resolve problema algum? Pelo menos desde meados do século XX que se tornou óbvio que essa lei, que impedia e impede a existência de um mercado de arrendamento, não só levava à ruína de milhares de edifícios cujos proprietários tiravam deles rendas ridículas como penalizava seriamente as novas gerações, obrigando-as a endividarem-se para comprar casa já que ninguém lhes alugava nenhuma ou lhes pediam rendas exorbitantes. Ao longo dos anos, nos mais diversos quadrantes, ninguém esteve para se queimar enquanto político dizendo claramente o que pensava sobre este assunto. Muitos desses políticos tinham vivido noutros países e sabiam bem como aí era fácil mudar de casa. Mas uma vez em Portugal optaram por esperar que quem viesse depois enfrentasse o problema. Agora a alteração à aberração legal que tem regulado o arrendamento em Portugal é-nos apresentada como necessária para satisfazer Bruxelas. O que quer dizer que por nós poderíamos continuar a conviver placidamente com tal estado de coisas.
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Exemplos não faltam. Ler jornais portugueses com alguns anos, como faço por razões profissionais, permite-me coleccionar casos e casos destes e sobretudo fazer um confronto com um país que desenvolveu uma espécie de fastio à realidade. Na verdade qualquer político que em Portugal pronuncie três frases sobre a orgânica do sistema – se deve ser mais ou menos parlamentar, mais ou menos presidencial – ganha foros de pensador e de respeitabilidade. Caso o mesmo político optasse por se pronunciar no sentido de mudar a lei das rendas seria no mínimo confrontado com uma rebelião dos seus correlegionários perante tal falta de jeito .
Daí que nos pareça muito mais tentador discutir os poderes presidenciais ou se os presidentes devem cumprir apenas um mandato do que enfrentar as razões da nossa crise."

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